Coluna Asas #18 - A civilização do espetáculo, de Mario Vargas Llosa (Fabio Shiva)

 



Se eu fosse escrever tudo o que esse livro me fez pensar, acabaria com um outro livro quase do mesmo tamanho, composto por três quintos de entusiásticas louvações ao pensamento de Vargas Llosa, um quinto de veemente discordância às ideias do autor e mais um quinto de tenebrosas lamentações pelo triste estado da cultura e da arte nos dias de hoje, objeto das reflexões e denúncias desta incrível e marcante obra que é “A Civilização do Espetáculo”.


Schopenhauer aconselha a nunca ler um livro sem ter antes refletido sobre o assunto que é tratado por ele. Ao menos dessa vez cumpri esse sábio conselho, pois venho pensando sobre esse tema há um bom tempo: a decadência das artes e o esvaziamento do conceito de “cultura”. Ao observar pela primeira vez esse fenômeno, eu timidamente o chamei de “revolução da simplificação”. Tempos depois, já convencido por A mais B de que de fato isso estava acontecendo, chamei de “ditadura da mediocridade” (em uma entrevista para a FM Cultura de Porto Alegre com o querido amigo escritor Luis Dill, confira no link: https://www.facebook.com/sincronicidio/videos/1141766595933585/).

Pois bem, essa percepção que vinha me atazanando há tempos foi definida com muito mais elegância e precisão por Mario Vargas Llosa: “a civilização do espetáculo”, onde o entretenimento é o fim e a meta de toda e qualquer produção artística, de toda cultura, de toda política, de toda religião. Nada melhor que deixar o próprio autor explicar do que se trata:


A questão é muito complexa e suscita inúmeros questionamentos. Será que a função da arte como transcendência e libertação para o homem só pode ser acessada por uma pequena elite cultural? Será que as massas estarão sempre condenadas a “ralar no chão”, como são comandadas a fazer pelos atuais sucessos da música baiana (e brasileira e mundial, pois a mensagem de emburrecimento e alienação é sempre a mesma, só muda o sotaque)?

Lendo esse livro compreendi melhor muitos fenômenos bizarros de nossa atualidade, como por exemplo e principalmente a “estupidez arrogante”. Fomos levados a crer que tudo é a mesma coisa, em matéria de cultura e arte. Por exemplo: Anitta e Pablo Vittar são “a mesma coisa” que Chico, Caetano e Gil. Nora Roberts e E. L. James são “a mesma coisa” que Aldous Huxley ou Jorge Amado. Por extensão, tornou-se mera questão de “opinião” se a Terra é plana ou não, se houve ditadura militar no Brasil ou não e assim por diante. A opinião de um historiador ou cientista vale tanto quanto a de qualquer youtuber bombado, e talvez até menos: pois na civilização do espetáculo, não importa se algo é verdadeiro ou Fake News, mas apenas quantas curtidas e compartilhamentos recebeu.

Preciso registrar que discordei de duas posições do autor, no tocante às relações da cultura com a política e com a religião. No primeiro caso, ele condena a exposição exagerada dos podres dos políticos, que ao seu ver leva a uma descrença geral com a política e com a classe dos políticos. Eu acho que antes de mais nada não adianta muito discordar disso, pois não irá alterar as forças em curso. E sobretudo acredito que essa desmoralização total e absoluta dos políticos serve para a superação desse paradigma para lá de obsoleto: o futuro dirá.

Com relação à religião, Llosa comente o erro de todo ateu, ao confundir religião com espiritualidade. Todo ateu que conheci se coloca contrário a algum sistema religioso (geralmente a Igreja Católica), mas a espiritualidade é muito mais abrangente que qualquer religião. Afirmar que Deus não existe é tão anticientífico quanto afirmar que Ele existe, mas a maioria dos cientistas (não todos, felizmente) alegremente adere ao dogma de que Deus não existe, e é por isso que temos uma ciência desconectada da espiritualidade, que serve à ganância humana (ajudando a destruir o planeta) e não à meta da verdadeira sabedoria, que só poderia conduzir à felicidade de todos.

(coloco entre parênteses uma ironia: fiquei espantado com o vigor de Llosa ao discordar de pensadores como Foucault e Baudrillard, e no entanto eis-me aqui, discordando de Llosa!)

A conclusão que cheguei, ao término dessa leitura, é a de que estamos testemunhando “fim do mundo como o conhecemos”. Independente de toda a devastação que o homem está promovendo na natureza (que já está cobrando o seu preço), uma sociedade com a arte e a cultura decadentes certamente está com os dias contados. Só quero viver para ver o Novo chegando! 

Comentários

  1. Belo artigo. "Afirmar que Deus não existe é tão anticientífico quanto afirmar que existe":acachapante.

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