Coluna Asas #74 - Singular - (Giselle Fiorini Bohn)
Quando eu era adolescente, quis
contar a colegas da escola que meu irmão havia, anos antes, visitado a
Patagônia. Mas na hora me confundi e disse que ele fora à Patolândia. Em outra
ocasião, em uma brincadeira clássica de Stop!, na categoria animais com a letra
D, escrevi Dinoceronte.
Acho que nem preciso dizer como
ficou minha reputação intelectual entre meus amigos.
Agora, trinta e tantos anos
depois, ainda rio com essas histórias e com muitas outras igualmente hilárias.
Há também as constrangedoras, as ternas, as dramáticas, as tristes – todas
guardo como joias. Na peça que é minha vida, não vejo minhas histórias como o pano
de fundo ou o cenário, mas, sim, como o próprio espetáculo.
Porque amo histórias de vida. Por
mais que eu aprecie a ficção e uma trama inteligente, a mim nada supera as
coisas reais que acontecem com gente real na vida real. E, de alguma maneira –
e felizmente! –, as pessoas ao meu redor parecem farejar esse meu fascínio: aonde
quer que eu vá, há sempre alguém pronto a me contar sua saga. Adoro.
Mas cada vez que ouço um relato –
banal ou impressionante, não importa –, eu me pergunto se ele se perderá. Ainda
que um amigo, uma irmã ou um filho se lembre por algum tempo, chegará o momento
em que estará esquecido para sempre. Sim, é da natureza da vida a
transitoriedade, entretanto e ao mesmo tempo, tudo o que vivemos é tão único e
tão particular que me dói pensar nesse apagamento.
Afinal, existem duas histórias
iguais? Para cada general que entrou para os livros de História existiram
milhares de soldados, cada um com seus pensamentos, seus medos, suas alegrias.
Há aquele que deixou a namorada para trás, há um cujo pai tanto chorou sua
ausência, outro que considerou desertar, possivelmente um que teve prazer em
matar. Isso tudo me interessa, muito,
mais do que a biografia do militar condecorado.
O que torna uma história digna de
ser imortalizada não é, ao menos a mim, sua grandiosidade, seu impacto ou as
credenciais de quem a viveu, mas sua singularidade. Estamos tão habituados a
acreditar que só os realizadores de grandes feitos merecem registros que não
percebemos o quão precioso é o que cada de um de nós experiencia, sente, pensa,
sofre, deseja.
No meu mundo ideal, todos
escreveriam suas memórias. Todos contariam como foi seu primeiro beijo, o que
sentiram ao perder alguém que amavam, qual seu maior arrependimento. E esse
olhar para a própria história não seria apenas um presente que deixaríamos para
nossos familiares e amigos, mas um favor que faríamos a nós mesmos: por mais
doloridas ou maravilhosas que tenham sido as experiências, deveríamos sempre abraçá-las
com reverência – são nossas e de mais ninguém.
E ao fazer isso, talvez nos
lembrássemos de não cometer os mesmos erros, de perdoar – a nós e aos outros –,
de não nos levarmos tão a sério. E, acima de tudo, talvez nos lembrássemos
também de que tudo passa nesta vida.
Assim como passou a zoação por eu
ter escrito dinoceronte. Demorou, mas passou.
Minha cronista preferida sempre me emocionando e me fazendo pensar. Amoooo. Parabéns pelo texto, Gi.
ResponderExcluirVocê nem imagina como me toca um elogio seu, por quem tenho tanta admiração! Muito obrigada, amiga! 🥰
ExcluirBoa reflexão sobre lembranças, memórias, as boas e as ruins. Lembrar das ruins é inevitável e os erros do passado, se pudesse voltar no tempo, seriam corrigidos. Estou com 75 anos de um mundaréu de lembranças. Tenho um arquivo com minhas memórias, nem todas porque deixei de mencionar algumas bem ruins de caráter sentimental. As memórias estão lá, naquele arquivo que só eu leio porque não tenho coragem de mostrar para ninguém. Às vezes lembro dos erros que cometi, mas sinto alivio porque aprendi que errei e não os cometi novamente. Se tivesse uma máquina do tempo, voltaria ao passado para reparar os erros. Mas acho que, se tivesse aceitado aquele convite para ir ao encontro dela em Barra do Ribeiro, eu não estaria onde estou hoje e minha vida teria sido bem diferente. De qualquer forma, sim, me arrependi de não ir.rsrs
ResponderExcluirAh, os arrependimentos! Ainda vou escrever uma crônica só sobre eles! :)
ExcluirMuito obrigada pela leitura e pelo comentário cheio de emoção!
Nossa, Gi, essa pegou na alma. Que lindo! Essa crônica vai ficar comigo o fim de semana todo, acho que é uma das mais lindas que já li. Parabéns!
ResponderExcluirAh, minha querida, o aue eu faria da vida sem você?! Te amo! Obrigada por tudo!
ExcluirUma reflexão belíssima e, sobretudo, muito sincera. Parabéns!
ResponderExcluirMuito obrigada! ❤
ExcluirUm viva às pequenas experiências e ao que aprendemos com elas. Parabéns pela crônica, Giselle!
ResponderExcluirMuito obrigada pelo carinho! 🥰
ExcluirExcelente crônica! Estrutura leve, mensagem tocante. Que as histórias reais façam a diferença para seus protagonistas e sejam inspiração para nós, cronistas! ;)
ResponderExcluirSim, que não percamos muito o olhar que busca as inspirações! Muito obrigada pela leitura e pelo carinho! :)
ExcluirLindo texto... Me fez lembrar o livro e agora filme "El olvido que seremos"... Super recomendo, é do Hector Abad Faciolince.
ResponderExcluirGostei do seu mundo ideal em que todos e todas escreveram as suas memórias. Realmente gostei e me tocou a sensibilidade com que escreveu. Nova e mais recente escritora favorita. 😊