Coluna Asas #76 - Por que não gostei de “A Montanha Mágica” de Thomas Mann - (Fabio Shiva)

 


Raras vezes fiquei tão feliz ao terminar uma leitura. Essa montanha me deu mesmo uma canseira! Não restam dúvidas de que se trata mesmo de um grande livro (em todos os sentidos, com suas quase 900 páginas em letra miúda!), uma obra-prima da literatura mundial... Mas foi um desses que gostei mais de ter lido que de ler propriamente.

 

O problema todo é que escalei a maior parte da montanha mágica brigando com ela! Confirmei nessa leitura a primeira impressão que tive do Thomas Mann ao ler “A Morte em Veneza”: um alto intelectual, de senso estético apuradíssimo... e no entanto cego espiritualmente! Mann incorre no mesmo erro de ilustres contemporâneos como Aldous Huxley, iludido pela pretensa primazia da razão propagada pela ciência e filosofia europeias no início do século XX: confundir “mente” com “espírito”. E daí o fato de aproximadamente 500 páginas das 900 que compõem “A Montanha Mágica” e que fazem a alegria dos eruditos, envolvendo sutis discussões filosóficas, foram para mim uma grande provação, páginas que li com a sensação de estar desperdiçando tempo... pois não encontrei verdade ali, apenas estéreis divagações.

 Uma ideia que tive ao assistir “Ninfomaníaca” do Lars Von Trier voltou com muita insistência durante essa leitura: penso que Deus escolhe algumas pessoas, a quem concede grande inteligência, sensibilidade e talento, mas ao mesmo tempo oculta-Se inteiramente dessas pessoas... como se Ele quisesse ver o que suas talentosas crianças cegas criarão no mundo! Por isso acho que Deus gostou de “A Montanha Mágica”, assim como gostou de “Ninfomaníaca”...

 Já eu não gostei nem um pouco foi da inclusão de dez páginas de diálogos em francês, bem no meio do livro. Desconfio que essas páginas ajudaram muito na boa reputação de “A Montanha Mágica” entre os literatos, pois sempre há quem busque na literatura uma forma de se sentir superior aos outros. Pois bem, meu francês autodidata me permitiu ler essas dez páginas (e que boa surpresa descobrir que o próprio Mann se considerava também um autodidata), embora não, certamente, apreciar a sutileza de Hans (herói da história) falando francês como se fosse alemão... achei um esnobismo desnecessário. Se o autor achava fundamental ter essas páginas em francês, a decência deveria tê-lo obrigado a colocar esse trecho no início do livro, e não depois da página 400...

Felizmente fiz as pazes com a Montanha Mágica antes do final da leitura. Gostei de ter lido e recomendo a todos interessados em se aprofundar na literatura, mesmo com todas as ressalvas. O livro tem grandes méritos e é realmente muito bem escrito. O problema todo é que Thomas Mann não é Hermann Hesse! Sofri com Mann a mesma decepção que tive com Kafka: ele é bom, é até genial, mas não é nenhum Hesse... Quem quiser saber quão profundo pode ser um olhar ocidental, que leia Hesse!

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