1) Hoje
é um dia especial: terminei de ler “Ulisses”!!! Viva viva!!! Que dizer desse
livro que eu achei chatíssimo até a metade (por volta da página 400), para
então começar a gostar mais e mais e terminar achando uma obra linda, genial e
muuuito louca???
2) Para
escapar de fazer uma resenha interminável, me proponho o desafio de escrever
somente dezoito tópicos, um para cada capítulo do livro, cada qual
correspondendo a um episódio da “Odisseia” de Homero (Ulisses é o nome latino para Odisseu,
originado na palavra grega para “guardar ressentimento”).
3) Nessa
obra Joyce se propõe a atingir o mais alto anseio da literatura, que é
expressar no romance a totalidade da vida. Mas a complexidade cada vez maior da
vida moderna (início do século XX) só pode ser retratada de fato caso o romance
se reinvente, extrapole os limites, transcenda as barreiras. E é bem isso o que
“Ulisses” faz.
4) A
história toda acontece em um único dia, que traz Leopold Bloom (Ulisses) em
suas peregrinações pela cidade de Dublin. Stephen Dedalus, o jovem artista, é
Telêmaco, e Molly Bloom, a esposa adúltera, é Penélope.
5) Cada
um dos dezoito capítulos é escrito em um estilo único e totalmente diferente
dos demais. São quase dezoito obras diferentes aglutinadas no mesmo livro.
6) Coisa
surpreendente: “Ulisses” tem algumas partes muito engraçadas! Rachei o bico de
dar risada em várias cenas, com destaque para o invento da obramaravilha, uma
espécie de apito (que deve ser introduzido pela ponta redonda) para
descongestionar os gases intestinais de cavalheiros e damas constipados. A
suprema invenção do século XX!
7) Outra
constatação surpreendente: a obra é realmente revolucionária e genial, mas
creio que alcançou tamanha repercussão mesmo foi pelo tanto de putaria: como
tem sacanagem nesse Ulisses! Não causa surpresa o livro ter ficado proibido
durante 11 anos nos Estados Unidos.
8) E
aí é que está a fórmula explosiva: uma linguagem inovadora, uma estrutura
intelectualmente desafiadora e, de quebra, a transgressão dos valores morais
vigentes, nas muitas referências explícitas e até grosseiras ao sexo.
9) O
que leva à reflexão: a literatura parece ter perdido a capacidade de chocar.
Não dá para imaginar um livro hoje sendo proibido por ofender “a moral e os
bons costumes”. Vitória da liberdade de expressão ou sinal de decadência da
civilização? Você decide.
10)O
que leva ao questionamento: por que hoje em dia não temos escritores como James
Joyce? Corajosos, inventivos, audaciosamente indo onde a literatura jamais
esteve? Os escritores do século XX parecem muito mais “avançados” que os
atuais. Será que tudo já foi inventado e nada mais resta por inovar? O futuro
dirá.
11)Dizem
que por conta de suas invenções linguísticas “Ulisses” é mais fácil de ler no
original que traduzido. A edição que li foi com a tradução pioneira de Antonio
Houaiss. Bem, só posso dizer que não concebo o texto em inglês sendo mais
difícil de ler que essa tradução abençoada do Houaiss!!! Parece que o tradutor
quis dar conta de todas as possibilidades semânticas, e o resultado foi que o
texto em português ficou bem mais erudito e intelectualizado que o original (é
o que comentam pela internet). Sorte de quem for ler o livro agora, que já
estão disponíveis duas outras traduções em português, e mais focadas na
linguagem cotidiana.
12)Uma
das partes que mais gostei é o capítulo que corresponde ao palácio de Circe,
quando Bloom e o jovem Dedalus visitam um bordel pra lá de animado. O estilo da
narrativa é o de uma peça de teatro onde o autor e todos os personagens
ingeriram doses maciças de LSD. Lisergia pura!
13)Outro
trecho marcante é o capítulo final, com o monólogo da senhora Bloom. São 50
páginas sem uma única vírgula ou ponto, na mais contundente expressão literária
do “fluxo de consciência”, com a representação do fluir incessante dos
pensamentos do personagem. Podemos dizer que Saramago, em comparação, foi até
bem conservador ao inventar o seu estilo próprio de escrever... E Joyce, de
brinde, ainda criou uma das mais marcantes figuras femininas da literatura:
Molly Bloom.
14)Tudo
considerado, apesar de “Ulisses” ser considerada uma obra de estrutura
matematicamente perfeita, penso que o livro seria mais gostoso de ler se
tivesse a metade das páginas, ou mesmo um terço.
15)Mais
fácil de ler, sim, mas não necessariamente melhor. Entendo a proposta do livro,
que exige tantas páginas de elucubrações sem fim. No mundo atual, que prioriza
a velocidade e multiplicidade de informações, é provável que cada vez menos
pessoas se interessem em ler “Ulisses”.
16)Desde
o capítulo do bordel, uma ideia louca ficou martelando minha mente: imagine
como seria esse livro transformado em filme! Impensável! Impossível! Ainda
assim, creio que o David Lynch estivesse à altura da tarefa.
17)Comecei
a ler “Ulisses” pela primeira vez há mais de dez anos, e acabei desistindo por
volta da página 100. Mas fucei o “Roteiro-chave” que vem no final do livro, e
hoje percebo o tamanho dessa influência em minha própria criação literária.
Essa estrutura foi um eco distante na composição das letras da ópera-rock VIDA
(gravada pela banda Imago Mortis), e teve uma força maior, ainda que mais
distante ainda, na estrutura de meu romance “O Sincronicídio”. Que bom perceber
isso hoje!
18)Não
é fácil ler “Ulisses”, mas o esforço vale a pena – dependendo da motivação do
leitor. Para mim, foi como galgar um Everest literário: veni vidi vici!!!
Nenhum comentário:
Postar um comentário