Coluna Asas #61 - “A estrutura do romance”, de Edwin Muir e “O morro dos ventos uivantes” (Fabio Shiva)

 




Há muito tempo eu tinha vontade de ler algo sobre crítica e análise literária. E tive pela primeira vez a oportunidade de saciar esse desejo com um livro verdadeiramente espetacular: “A Estrutura do Romance”, de Edwin Muir.

 

Foi uma leitura muito interessante, que me ajudou a captar um pouco desse “olhar literário” que eu queria descobrir. Vou colocar aqui bem resumidinho as principais coisas que aprendi.

O autor formula um sistema teórico que pode não ser o definitivo, mas é bem válido. Ele percebe os romances como estruturados principalmente em função do tempo ou do espaço.

Na primeira categoria está o chamado “romance dramático”, que gira em torno de alguma modificação que ocorre com os personagens, daí o fator tempo ser fundamental. Fiquei com vontade de ler “O Morro dos Ventos Uivantes” de tanto que foi louvado como belo exemplo de romance dramático.

Na segunda categoria está o “romance de personagem”, que distribui uma sequência de cenas mais no espaço que no tempo, pois os personagens praticamente não sofrem alterações no decorrer da história. Os livros de Dickens foram muito citados nessa categoria e também o “Vanity Fair” de Thackeray.

Uma outra forma de estruturar o romance através do tempo é chamada pelo autor de “crônica”, o que tem e não tem a ver com o conceito que comumente fazemos de uma crônica. Aqui o tempo é uma força impessoal, e não um coadjuvante dramático. Exemplo: “Guerra e Paz” do Tolstoi.

Outras formas de estrutura são citadas: o “romance epocal” que Edwin Muir corretamente profetiza que está para desaparecer, pois nenhum dos livros citados nessa categoria me pareceu familiar (o livro é de 1928). Essa categoria baseia-se mais numa descrição acurada de um evento que marca uma época (tal como a invenção do automóvel) que numa história em si.

Muito interessante foi a interpretação que Muir fez de “Em Busca do Tempo Perdido” de Proust e do “Ulisses” de James Joyce, cada um sendo o único representante de sua categoria própria. Sobretudo por estar lendo “Ulisses” na mesma época, gostei muito. Na descrição de Muir (em que vi ecos do grande fã de Joyce, Anthony Burgess), “Ulisses” é um fracasso genial! Como disse Burgess, somente os grandes têm falhas interessantes...

Valeu muito a pena ler esse livro! Recomendo a todos que desejem aprofundar suas leituras e também, por que não, seus escritos.

Li “A Estrutura do Romance” em 2012. E nada menos que oito anos depois, pude finalmente conferir o grande clássico de Emily Brontë, “O Morro dos Ventos Uivantes”, cujo título original é incrivelmente sonoro: “Wuthering Heights”.

 Esse tempo de espera, contudo, não poderia me preparar para a experiência única que é ler “O Morro dos Ventos Uivantes”. Uma história de amor inesquecível, porque esquisitíssima: são duas gerações de triângulos amorosos, onde todos os vértices são igualmente detestáveis, personagens antipáticos, egoístas, mesquinhos e que passam o tempo todo aporrinhando uns aos outros! Nunca li nada parecido com essa história, a não ser no campo da sátira, que me fez evocar o atribulado romance entre os pais do herói de “Memórias de Um Sargento de Milícias”, de Manuel Antônio de Almeida, que diz ser “filho de uma pisadela e de um beliscão”...

Contudo, por alguma espécie de misterioso fascínio, fiquei preso à história do início ao fim, horrorizando-me com algumas das cenas “românticas”, sentindo gastura com aquela gente intratável, mas querendo o tempo todo saber como iria terminar aquilo. É inegável o talento da autora Emily Brontë, que inclusive se vale do intricado recurso da narrativa dentro da narrativa, com idas e voltas no tempo, sem jamais perder o fio da meada.

Ao saber que a autora desencarnou precocemente, aos 30 anos de idade, apenas um ano após publicar seu livro, comecei a formular uma curiosa teoria, que a meu ver explica as singulares características de “O Morro dos Ventos Uivantes”. Talvez Emily Brontë tenha sido uma criança azul nascida antes do tempo, vinda de algum planeta bem mais evoluído que o nosso. Assim, inevitavelmente ficou chocada com a grosseria e brutalidade que encontrou por aqui, o que a motivou a escrever uma história de amor passada entre tais feras. Sua psique refinada, contudo, não suportou por muito tempo o rude ambiente no qual estava confinada, e Emily voltou para as estrelas logo após nos deixar sua obra-prima, que também poderia ter se chamado “Os Brutos Também Amam”.

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