Coluna Asas #49 - A difícil arte de crescer em Cassino Hotel - (Felipe Rodrigues Araujo)


Cassino Hotel, de André Takeda, não é uma obra que preza pelo estilo, não tem construções mirabolantes e nem jogos de palavras. É, sobretudo, uma história que não se preocupa em dosar a emoção, apresentando a reconstrução pessoal da vida do protagonista.

Cassino Hotel é um livro com referências da música pop. Por ele descobre-se indicações sensacionais como “Smoke Gets in Your Eyes”, na versão dos Platters, “Ruby Tuesday”, “Ride On, Baby” e “Sittin’ on a Fence”, dos Rolling Stones, todas do disco “Flowers”, entre outras. Notavelmente, o livro anterior de Takeda é “Clube dos Corações Solitários” (2002), mais inclinado a alusões pop.

Há também a aura nostálgica dos anos 1990, dos grupos que ensaiavam suas próprias composições em garagens e imitavam os gêneros em voga na época como o brit-pop, o shoegazer e o grunge. Com certeza, o leitor de mais de 27 anos já passou por algo parecido nas cenas descritas por Takeda – seja em São Paulo e na Porto Alegre que embalam as páginas do livro; ou em qualquer lugar do Brasil. Curiosamente, palco da maior parte do romance – a capital gaúcha tem revelado vários escritores para a literatura brasileira atual: Daniel Pellizzari, Carol Bensimon, Michel Laub e Daniel Galera.

A história é sobre um guitarrista gaúcho que fez carreira – de cocaína e de músico – em São Paulo e está pelas voltas com uma paixão, Mel X, a filha popstar de um cantor sertanejo. Com o fim de sua banda, o músico começa a compor e tocar com a garota rica. Disso surgem novos problemas. Os pais não querem a menina envolvida com um ex-drogado inconsequente – o que lhe mancharia a imagem. Então o rapaz é demitido e parte em viagem a Porto Alegre, onde pretende reencontrar nos amigos e familiares uma parte perdida de sua vida.

É um romance que fala sobre a coragem de deixar pra trás a juventude e absorver as dificuldade de – após os 30 – tornar-se um adulto. Leia-se por adulto: “Pessoa que chegou ao pleno amadurecimento e encontra-se entre a adolescência e a velhice (Aulete)”.

Reconhecendo em si mesmo as falhas que lhe impedem de fazer a passagem, o protagonista literalmente chama o leitor para acompanhá-lo em sua jornada, que desemboca na Praia do Cassino, Rio Grande do Sul, onde fica o Cassino Hotel. Neste lugar de mar marrom e frio incessante, o protagonista, dois amigos, seu pai; e Mel X viverão dias difíceis de descobertas.

Romances são obras perigosas. No intuito de completar os núcleos e as muitas páginas, pode-se cair em armadilhas. Takeda cai. Quando cria uma interessante alegoria de um navio abandonado ao fundo do mar – cujo movimento significa o avanço ou não de sua vida – o escritor peca muitas vezes no excesso e na citação muito didática.

É, no entanto, uma imagem muito bonita, sendo que a sua função parece ironizar a própria proposta do autor, às vezes o leitor fecha o livro com raiva e às vezes continua a virar as páginas com um sorriso no rosto. Em outro aspecto, as estranhas descrições das cenas de sexo e o aparecimento abrupto de alguns personagens tiram um pouco do brilho.

No entanto, ao terminar a leitura, a sensação é de ter passado por uma experiência boa, de ter conhecido personagens muito reais e que ficarão por alguns dias perto da gente. O lirismo do piano que representa sua infância, o laço criado entre três amigos, a calma e a simplicidade de seu pai e a crescente loucura que sequestra o leitor após uma das últimas doses – ou não – do protagonista.

Talvez a emoção na escrita – que às vezes até nos convida literalmente a chorar – e a tentativa de compreensão entre todos os personagens sejam o grande trunfo do livro. Cuspir a mágoa e encarar a vida sem medo de parecer piegas. E é exatamente isso (e não os convites ao choro) – é essa luta memorável e notável nas construções e personagens de Takeda – que acaba por emocionar ao final da leitura, dando um tranco na roleta da sorte e fazendo a seta de Cassino Hotel cair no limiar entre o que se entende por médio e bom na literatura.

_____________________


Cassino Hotel

André Takeda

Rocco

194 pág.

2004


Comentários