Coluna Asas #48 - Não hoje - (Giselle Fiorini Bohn)


 

Agora que entrei nesta enrascada de me designar escritora, encontro-me cada vez com mais frequência em saias justas. Como se não bastasse a já clássica pergunta sobre minhas influências, cuja resposta sempre decepciona, agora preciso também pensar rápido para dizer alguma coisa que soe minimamente inteligente sobre tópicos como processo criativo, por exemplo. O que eu realmente gostaria de dizer é que meu processo criativo inclui a procrastinação levada ao limite do ataque de pânico à medida que o prazo se aproxima do encerramento, mas isso, com certeza, decepcionaria meus entrevistadores ainda mais.

Na verdade, procrastinação é uma palavra bonita e, ao menos para mim, relativamente nova; lembro até hoje de quando a vi pela primeira vez. Assim que compreendi seu significado, registrei-a em meu cérebro como a minha tão familiar “enrolação”. Sim, porque, de acordo com o meu dicionário, é isso o que eu faço: eu enrolo. Enrolo para começar, e, se começo, enrolo para continuar, e, se continuo, enrolo para finalizar. Uma enrolação sem fim.

E dá-lhe estratégias para lidar com isso. Todo dia escrevo listas de tarefas a cumprir, mas, já sabendo que não as cumprirei, coloco ali no meio algumas tarefas já cumpridas, só para que eu não me sinta um fracasso total por não cumprir o que deveria ter cumprido. Uma comprida lista de fracassos.

Estipulo prazos para mim mesma, e depois entro em longas conversas cheias de justificativas e peço extensões. Nem sempre sou compreensiva; às vezes toda a argumentação me parece como uma grande pataquada e, se pudesse, já teria me colocado no olho da rua. Mas na falta dessa alternativa, aguardo que o trabalho saia em algum momento, bufando “Ah, esses escritores...” em total frustração.

Sempre penso que minha habilidade em procrastinar é superlativa, mas isso talvez seja apenas meu ego querendo ser especialmente eficiente em alguma coisa. Assim, foi com certa surpresa que há alguns dias li um artigo sobre Douglas Adams, o autor de “O Guia do Mochileiro das Galáxias”, que mencionava um bilhete escrito por ele a si mesmo, lembrando-o de que, sim, escrever pode ser bom, pode ser prazeroso. E que se há dias em que empacamos e achamos horrível tudo o que fazemos, esses não são os únicos na nossa trajetória. O importante é continuar tentando.  

Afinal, enquanto houver ideias, enquanto a mente continuar fazendo sua parte, há esperança. A minha anda frenética: imagina a história, o narrador, o tom, a linguagem. Tem deixado tudo fervilhando em minha cabeça, por dias, semanas, meses. “E aí, vamos? Agora é só botar a mão na massa!”. Eis aí o único problema.

A mão não obedece, nenhuma das duas. Ao invés de se posicionarem sobre o teclado do laptop, elas buscam o celular e abrem dezenas de vezes ao dia os aplicativos das redes sociais, os sites de notícias, o WhatsApp. Enviam likes, coraçõezinhos, emojis de todos os tipos. Escrevem, sim, mas apenas coisas como “Lindo!”, “Parabéns!”, “Hahaha”, o que não ajuda em nada minha já pobre carreira literária - a não ser que inventem um prêmio para comentários no Facebook.

Meu medo é só que minha mente se canse das criações que não dão em nada, e se recuse a me dar mais ideias. Aí só me restará escrever crônicas como esta, chorando as pitangas. Eu realmente preciso fazer algo a respeito disso.



Mas não hoje. Amanhã.




Imagem: "Hourglass", de Steve Buissinne, disponível no site Pixabay.

Comentários

  1. O melhor de tudo foi o final. Pareceu quase a Scarlet O'Hara dizendo - amanhã eu penso nisso. Mas claro, ela não escrevia como você, só causava. Você também causa... inveja. Beijos.

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    1. Muito obrigada, querida! Escrevo esta resposta já porque não estou aguentando mais esta folgada que lhe fala! Beijos!

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