Coluna Asas #27 - Romancista como vocação, de Haruki Murakami - (Fabio Shiva)

 



Há três anos fui presenteado com este livro por minha querida amiga e editora Bia Machado. Fiquei tão feliz com o presente que acabei guardando para ler “em um momento especial”. Não sei muito bem que ideia foi essa, mas decidi que esse período de pandemia pode ser definitivamente considerado “um momento especial”, sob qualquer perspectiva. E por isso é que finalmente me permiti a leitura de “Romancista como Vocação”. Como anotei muitas e ótimas citações do livro, melhor deixar que o próprio autor fale sobre sua obra. Arigatou, sensei Murakami!

“[...] a maioria dos romancistas (cerca de 92%, suponho), inclusive eu, pensa: ‘O que eu faço e escrevo está certo. Todos os outros escritores estão errados, em maior ou menor grau, exceto alguns casos especiais’, e leva o dia a dia com base nessa visão.”

“Escritores são basicamente egoístas, orgulhosos e muito competitivos. Se dois escritores estiverem juntos, a chance de eles não se darem bem será muito alta.”

“O escritor é aquele que tem necessidade de fazer o que é desnecessário.”

“Por mais que o slogan seja correto, que a mensagem seja bela, essas palavras se tornarão vazias se a força da alma e a força da moral não forem capazes de sustentá-las.”

“Todos os escritores têm o direito de experimentar as possibilidades da língua através de todas as formas imagináveis e ampliar ao máximo o limite de sua eficácia. Sem esse espírito aventureiro, nada de novo será criado.”

“É melhor que os leitores reajam de modo firme, mesmo que negativo, do que apenas de forma branda e banal.”

“[...] acredito que não seja necessário acrescentar algo próprio para encontrar um estilo ou um discurso pessoal e original; o necessário de fato é subtrair algo.”

“Há pessoas que analisam de forma sucinta e rápida as pessoas e coisas ao redor e em pouco tempo concluem: ‘Aquilo é assim’, ‘Isso é aquilo’, ‘Fulano é assim’, mas, em minha opinião, essas pessoas não levam muito jeito para escrever romances.”

“James Joyce afirmou de forma sucinta que ‘imaginação é memória’.”

“[...] todo texto possui margem para aprimoramentos. Por mais que o autor pense que está bem escrito e perfeito, o trecho pode ser melhorado. Por isso, quando vou reescrever, procuro me desprender ao máximo do orgulho e da arrogância e esfriar um pouco a cabeça. [...] Depois que o livro é lançado, procuro simplesmente manter o meu ritmo e não dar muita importância a críticas. Se me preocupar com todas as críticas, meu corpo não aguentará (é sério mesmo). Mas quando estou escrevendo preciso acatar com humildade e coração aberto as críticas e os conselhos que recebo de pessoas próximas.”

“Ou seja, o importante é o ato de reescrever. E acima de tudo, a decisão do escritor é fundamental. Pensar vou reescrever essa parte para que fique melhor, sentar-se à mesa e se concentrar para mexer no texto.”

“Geralmente o escritor que acabou de finalizar um romance está fora de seu juízo normal, com a cabeça quente e o cérebro cansado.”

“A opinião das pessoas representa a sociedade, e quem vai ler o seu livro, no final das contas, é a sociedade. Se você tentar ignorá-la, provavelmente ela também irá ignorá-lo.”

“Leio várias vezes a mesma frase para verificar a sua vibração, inverto a ordem das palavras e mudo os detalhes de uma expressão. Gosto muito desse trabalho de ‘bater com o martelo’. [...] O escritor Raymond Carver, que eu respeito muito, também gostava desse trabalho de ‘bater com o martelo’. Ele escreveu o seguinte, citando as palavras de outro escritor: ‘Sei que terminei um conto quando me pego tirando as vírgulas das frases e em seguida colocando todas elas de volta, no mesmo lugar’.”

“‘Teria feito melhor se tivesse tido mais tempo.’ Fiquei estupefato ao ouvir isso de um amigo escritor. Ainda fico, quando me lembro disso. [...] Se não conseguimos escrever da melhor maneira dando o máximo de nós, então para que escrever? No final das contas, a satisfação de termos dado o melhor e a prova desse trabalho são as únicas coisas que podemos levar para o túmulo. Eu queria ter dito para o meu amigo: pelo amor de Deus, vá fazer outra coisa. Deve haver maneiras mais fáceis e talvez mais honestas para que você ganhe seu sustento. Ou, senão, apenas faça o melhor usando as suas habilidades, seus talentos, e não justifique nem dê desculpas. Não reclame. Não explique.” (Raymond Carver, “On Writing”.)

“Nem é preciso dizer que quem julga as obras são os leitores, e que seu valor é revelado pelo tempo.”

“Acredite na sua sensação mais do que em qualquer outra coisa. Não importa o que os outros digam; a opinião alheia não tem importância. Tanto para o escritor como para o leitor, a sensação é o melhor critério.”

“Para que os escritores realizem uma atividade criativa por vários anos, seja escrevendo romances ou contos, é imprescindível que tenham força para persistir.

Então, como conseguir essa força?

A minha resposta é uma só, e bem simples: ter um bom condicionamento físico. Adquirir grande e permanente força. Fazer do seu corpo o seu amigo.”

“Por isso, mesmo quando pensava: Hoje estou cansado. Não quero correr, logo depois tentava me convencer: De qualquer forma, é algo que tenho que fazer e corria praticamente sem pensar nas razões para tanto. Essa frase é como um mantra para mim: De qualquer forma, é algo que tenho que fazer.”

“Entretanto, quando preciso escrever romances, consigo manter a mente firme por cerca de cinco horas por dia, sentado à mesa. E essa força – pelo menos a maior parte dela – não é inerente a mim; ela foi adquirida através de treinamento.”

“O conhecimento técnico decorado mecanicamente, e não adquirido de modo sistemático, se perde com o tempo, sendo sugado para algum lugar – um lugar escuro, como um cemitério do conhecimento.”

“[...] cheguei a pensar de forma exagerada: a aula de educação física serve para fazer com que os alunos odeiem esportes.”

“Mas, quando a sociedade já perdeu seu vigor e a sensação de estagnação está presente em todo lugar, quem sofre mais os seus efeitos, quem recebe a sua influência de forma mais clara, é o sistema de ensino. Ou seja, é a escola, a sala de aula. As crianças são como canários num poço de mina: sentem esse clima impuro antes de qualquer outra pessoa.”

“De qualquer forma, acho que a maior parte das pessoas que adoravam a escola, daquelas que se sentem tristes porque não podem mais frequentá-la, não se torna romancista.”

“O oposto extremo da imaginação é a eficiência.”

“[...] para mim, a capacidade dos personagens de fazer a narrativa avançar é mais importante do que o fato de eles serem verossímeis, despertarem a curiosidade e serem imprevisíveis. [...] Quando o romance começa a deslanchar, os personagens começam a se mover por conta própria, o enredo se desenvolve sozinho e, como resultado, tem início uma situação bastante feliz em que o autor simplesmente escreve o que está se passando na sua frente, diante dos seus olhos.”

“E imaginação é como o sonho. No sonho, tanto o que temos acordado como o que temos dormindo, quase não possuímos opção. A única alternativa é seguir o fluxo.”

“Acho também que o ato de escrever romances representou para mim uma espécie de autocura. Afinal, todo e qualquer ato criativo visa, em maior ou menor grau, a uma autocorreção.”

“Aprendi uma lição depois que me tornei escritor e passei a lançar livros regularmente: Independentemente do que escreva e do estilo da escrita, sempre haverá alguém para criticar. [...] É fácil criticar (pois basta a pessoa falar o que lhe vem à cabeça sem sequer precisar se responsabilizar por isso), mas, se aquele que é criticado levar a sério tudo o que falarem, ele não vai aguentar.”

“Eu simplesmente tive que aceitar que no mundo existem pessoas que falam coisas sem pensar direito, sem fundamento, conforme o que lhes der na telha.”

“A narrativa, originalmente, é uma metáfora da realidade, e as pessoas, para não serem deixadas para trás pelo sistema que as cerca e que está em transformação, ou para poderem alcançá-lo, necessitam estabelecer no próprio interior uma nova narrativa, ou um novo sistema de metáfora.”


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